Rosa Maria Bueno Fischer*

A sexta-feira prometia. Julinha ia dançar com as amigas no Sarau dos 60 do João. “Leva casaco, no Ginásio é tudo aberto”, aconselhou a filha Jane, agora no papel de mãe-filha (o que faz o tempo com a gente…). Então tá. 

Vamos bem cedo. Pegar lugar bom. O último ensaio é na sala da Profe Mariana, meninada em palpos de aranha (O que mesmo quer dizer isso?), como numa estreia internacional, tipo Theatro São Pedro ou Broadway. 

Cada minuto naquele fim de tarde vai confirmando o bem-estar do grupo, apesar dos “nervos”. Uma das mães (a Carol) é a coreógrafa e animadora, acolhendo pais (e mães) numa preparação singela, de corpos infantis femininos a performar Rebecas e Daianes, numa releitura de Alice no País das Maravilhas (as gurias adoram falar em “releitura”). 

Profe Mariana não perde tempo, pede silêncio e respeito, ainda é hora de aula para outras crianças. A firmeza da voz é também gesto de pura elegância e delicadeza. Os pais e mães se entreolham (“Que maravilha, hein?!”). 

Tem, óbvio, o momento maquiagem e figurino, pura excitação. 

No Ginásio, vão chegando artistas de todas idades e cores. Para quem achava que ia demorar para ver as “maravilhas”, não teve frio que incomodasse. Diante de uma plateia cheia de afeto, crianças pequenas aos gritos, gente histórica do João brilhando os olhos, famílias em agito, nesse auê todo de “esquenta”, cada um ali ia vendo desfilar a banda de ex-alunas meio que francesas do sul gaúcho, adolescentes poetas, banda de rock com show de bateria, grupo de dança da diversidade e terapia inclusiva. Muita música, muita literatura, muita expressão corporal, muita história. Um verdadeiro sarau da dignidade, registrado ao vivo em desenho por uma aluna. 

Nos depoimentos, a memória partilhada: “O João me acolheu”, “Aqui eu me expresso como sou”, “Nesse lugarejo eu aprendo com alegria e arte”. 

A Rainha de Copas, a Gata, a Coelha, a Chapeleira Maluca e a própria Alice, claro, fizeram bonito. Deu problema no som? Sim. Lágrimas da Gata? OK, mas começa de novo, gente. É bem assim. Não tem essa de perfeição. Fazer o melhor inclui o erro imprevisível e quase sempre possível. Ou seja, ninguém ali cobrava o espetáculo impecável do showbiz. Era dançar e ser feliz. 

Não sei se exagero, mas essa gota mínima do que fez o João, naquela sexta-feira fria, marca para mim um rio de possibilidades do que foi, é e será essa escola. Estou falando de seriedade pedagógica, de compromisso político e social, de competência técnica e luta contra todo o tipo de preconceito. Sobretudo falo de elogio da arte e de prática amorosa da liberdade.  Que venham mais 60 anos! 

* Conselho Editorial

Professora titular aposentada da Faced, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. É pesquisadora 1-A do CNPq e autora de artigos e livros sobre imagem, discurso e educação, com pós-doutorado na New York University (USA). Avó da Julia, estudante do 4º ano.