Educação antirracista exige medidas práticas para ser realmente inclusiva e acolhedora

Maíra Suertegaray Rossato, Glauco Figueiredo Santos, Luciana Conceição Lemos da Silveira

Para qual sonho você educa? Com esta pergunta, a professora e pesquisadora Bárbara Carine encerra o seu livro “Como ser um educador antirracista” e provoca seus(uas) leitores(as) a refletirem sobre suas práticas enquanto educadores(as) que se desejam parte de um projeto de transformação social para a juventude. Para Bárbara, o ato educativo é planejado, ou seja, existe um currículo escolhido intencionalmente que reflete um projeto histórico. “Um/a educador/a forma a juventude para o modelo de sociabilidade que ele/ela almeja, por isso é preciso haver um sonho por trás do ato pedagógico” (PINHEIRO, 2023, p. 22).

O sonho de uma escola que incorpore no seu projeto pedagógico os quatro pilares da educação contemporânea presentes na Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI — aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer — vem se concretizando desde a fundação do Colégio em 23 de agosto de 1964 em plena Ditadura Militar (site da Escola).

Como o mundo, a Escola também se transformou, buscando ampliar e diversificar seu público. Assim, além das bolsas filantrópicas já existentes, no final do ano de 2022 foi lançado o edital de bolsas parciais do Projeto João de Todas as Cores, com o intuito de promover a maior diversidade étnico-racial em sua comunidade escolar.

Em meio a esse movimento, que “coloriu” o pátio do João XXIII, foi lançada a semente da Comissão Antirracista, institucionalizada em junho de 2023 e com o propósito de “Promover o Antirracismo como postura institucional do Colégio João XXIII, educando, propondo e criando soluções, acolhendo e valorizando pessoas negras, em todas as suas funções e representações na comunidade escolar, e combatendo toda forma de manifestação que as agrida, visando à conscientização dentro e fora do ambiente escolar”.

E qual é o nosso sonho para o João? Enquanto Comissão Antirracista, entendemos que o antirracismo é compromisso de todos sobretudo das pessoas brancas, e precisa ser um constante exercício de olhar para si e para nossas ações. Na escola não é diferente.

A educação possui um papel transformador e central na sociedade, de modo que, se a construção de um ensino antirracista envolve múltiplas abordagens e perspectivas, isso se deve ao caráter estrutural e sistêmico que o próprio racismo possui em nosso cotidiano. Educar para a diversidade, enfrentando as desigualdades, é um desafio histórico que demanda escuta, atenção e compromisso com a equidade.

Estamos trabalhando para que a comunidade escolar avance nos processos de letramento racial, criando assim um ambiente mais acolhedor e efetivamente inclusivo. Visando a esses objetivos, a Comissão desenvolveu uma série de iniciativas e ações nas seguintes frentes:

  • Formação de quatro grupos de trabalho nas temáticas Formação Antirracista, Plano de Enfrentamento, Ações Afirmativas e Inclusão da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) no Plano Político Pedagógico;
  • Participação nos eventos da Escola com espaço de banca ou lounge (Feijoão, Encontro Comunitário, Vivências ERER, Mostras João). Nestes momentos, a Comissão desenvolveu diversas propostas abertas para a comunidade: jogos educativos; exposição de livros na temática de ERER; manifesto contra violência e racismo no ambiente escolar; distribuição e venda de botons; oficinas sobre branquitude, de tranças e de estêncil com o punho, incluindo parceria com o Brechó da Escola para doação de camisetas e customização; Exposição Potências Negras do João; e Vivência “Qual a tua cor?”;
  • Mapeamento das ações realizadas e planejadas quanto à temática racial através de formulário diagnóstico;
  • Revisão e contruibuição para a estrutura-ção do edital João de Todas as Cores e composição da banca de heteroidentificação doJoão de Todas as Cores;
  • Promoção de palestras sobre Ações Afirmativas em diferentes espaços da escola (para o Conselho Deliberante e para a Equipe administrativa);
  • Promoção de concurso para a escolha da Identidade Visual da Comissão Antirracista;
  • Realização de reuniões semanais com a Direção Pedagógica (DP), periódicas com o Serviço de Orientação Educacional, Serviço de Orientação Pedagógica (SOE/ SOP) e com a Direção Executiva (DE)

Apesar de estarmos tratando de um ambiente de escola privada, torna-se imprescindível pensar nas estratégias de Diversidade e Inclusão, observando de forma holística as desigualdades raciais presentes na rede de ensino como um todo. Os jovens e as crianças do Colégio João XXIII são sujeitos oriundos de culturas diversas – origem familiar, credo religioso, classe social, origem étnico-racial, entre outros fatores. Isso evidencia a importância do respeito e a singularidade de cada um no espaço coletivo como parte das práticas educativas dos(as) professores(as) e das interações estabelecidas no ambiente escolar. Sendo assim, há a necessidade de se desenvolver práticas educativas que abordem a educação das relações étnico-raciais com a comunidade escolar na sua íntegra, promovendo uma educação de qualidade.

Para efeito de ilustração sobre esse tema, o estudo “O círculo vicioso da desigualdade racial na educação do Brasil: quando a diversidade racial e étnica se transforma em desigualdade”, promovido pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), trouxe dados sobre os quais toda a sociedade deve se debruçar.

Segundo o levantamento, que considerou raça/classe de estudantes e professores em diferentes territórios, “a oferta da educação pública não é a mesma para pretos, pardos e indígenas”. Em relação à infraestrutura escolar, por exemplo, 98,2% dos estudantes brancos em escolas convencionais têm acesso à água, energia e coleta de lixo e esgoto. O acesso de alunos pretos, pardos e indígenas no mesmo tipo de escola é de 96,5%, 92,9% e 89,5%, respectivamente. Em termos gerais, dos 2,3 milhões de discentes sem infraestrutura mínima, 86% são pretos, pardos ou indígenas.

Esse cenário demonstra a necessidade urgente de aprimoramentos em toda a estrutura de ensino nacional que foquem em soluções capazes de diminuir essas desigualdades, reduzam a evasão escolar e tornem as unidades de ensino em espaços atraentes e de pertencimento. Na rede privada, essas medidas devem ser observadas com ainda mais cuidado, uma vez que as manifestações de raça e classe são ainda mais latentes.

Luiz Rufino vê a escola como um dendezeiro:

“A escola que é uma palmeira me tira da pressa das certezas à medida que vai deixando suas sementes em minhas mãos para, ali, eu aprender com a capacidade de fazer perguntas. Com o tempo não medido em uma reta, mas com suas pontas unidas, adentro as salas de aula, seus livros, seus mestres e suas lições. A cada semente que fica nas mãos, um traço dos caminhos que descortinam as possibilidades de um mundo que encontra solu- ções no improvável.” (Rufino, 2021, p. 58- 59)

Nosso desejo é que as sementes — assim como fala Rufino — para um mundo mais diverso, inclusivo, justo e que permita efetivamente uma vida digna e sem medos germinem. Mas para isto, entendemos que as perguntas são importantes, perguntas que podem ser incômodas, muitas vezes, mas são essenciais para que possamos olhar as pessoas com que convivemos com lentes mais empáticas e mais críticas.

Os(As) autores(as):

Glauco Figueiredo Santos é jornalista, consultor de DE&I e pós-graduando em “História da África e da Diáspora Atlântica” pelo do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN).

Luciana Conceição Lemos da Silveira é socióloga, Mestre em Desenvolvimento Rural. Tem experiência na especificidade étnica negra e na identidade quilombola. Atuante na área da educação popular e pesquisas socioeconômicas em Comunidades tradicionais. Atua como professora da Rede Municipal de Escolas de Porto Alegre.

Maíra Suertegaray Rossato é professora de Geografia do Colégio de Aplicação (CAP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e escritora para infâncias desde 2009. Compõe a Comissão de Ações Afirmativas (CAF) do CAP e a Comissão Antirracista do Colégio João XXIII.

Referências:

PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador antirracista. São Paulo: Planeta do Brasil, 2023. 160p.

RUFINO, Luiz. Vence-demanda educação e descolonização. Rio de Janeiro: Mórula, 2021. 84p.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, “MEC divulga pesquisa sobre desigualdade racial na educação”, 2024, disponível em https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/junho/mec-divulga-pesquisa-sobre-desigualdade-racial-na-educacao , portal Gov.br. Acesso em: 09/09/2024.